Luto coletivo em tempos de covid-19
Então, sabe essa sensação de aperto no peito, vontade de chorar, dor no corpo, cansaço e falta de energia… Ela se chama luto.
O luto é o processo de elaboração de perdas significativas na vida. É o que sentimos quando perdemos alguma coisa muito importante.
Além da morte concreta, o luto acontece também em outras situações que representem grandes mudanças, como separações, despedidas, alteração de emprego e adoecimento.
Estamos vivendo coletivamente o luto devido a grandes mudanças: já não podemos sair de casa, encontrar pessoas queridas que moram em outros lares, cancelamos ou adiamos indefinidamente planos e projetos, comemoramos aniversários por chamada de vídeo, não temos garantias financeiras, receamos pelo contexto econômico.
Temos medo de nos expor ao risco pelas coisas mais simples como um abraço ou nos abastecermos de alimento. Tememos pela nossa própria saúde, pela saúde das pessoas queridas, daqueles que trabalham em áreas médicas e serviços essenciais que não podem parar. Receamos não conseguir atendimento médico em hospitais lotados. Temos medo de morrer.
Nos compadecemos daqueles que estão sofrendo, daqueles que estão sozinhos ou que perderam alguém querido. Sofremos de saber que quem perde alguém não poderá, neste período de pandemia, realizar todos os rituais de despedida, velórios, funerais e cerimônias religiosas, devido à interdição do contato social.
Vivenciamos os desafios de estar só ou da convivência constante e intensa com familiares.
Não sabemos como será a vida no futuro.
Apesar de estarmos todos tão remexidos, muitas vezes lutamos contra o sentimento de tristeza com a crença de que uma vez instaurada, a tristeza nunca mais nos deixará.
Mas o fato é que conscientizar-se daquilo que realmente está sentindo e vivendo é algo fundamental para que possa receber cuidados e acolhimento.
E agora, o que fazer?
Nomear esta experiência é o primeiro passo para que ela nos conduza aos próximos sentimentos.
Compreendermos as etapas do luto também pode ajudar. Elas não são fixas ou lineares: nem sempre acontecem nessa ordem e, mesmo que já se tenha chegado à última etapa, às vezes voltamos a oscilar entre estágios anteriores.
1º) Negação: “Tenho saúde de atleta, esse vírus não vai me afetar.”
2º) Raiva: “Essa porcaria de vírus tá me deixando louca, dentro de casa, engordando, peluda, com a raiz da progressiva aparecendo, não posso trabalhar, nem sair com meus amigos.”
3º) Barganha: “Se eu encontrar aquele date do tinder usando máscara tudo bem?”
4º) Depressão: “O mundo nunca mais vai ser como antes. Não posso fazer nada a não ser me entregar à minha insignificância.”
5º) Aceitação: “A pandemia é um fato, milhares de pessoas no mundo estão morrendo. O que posso fazer para viver da melhor forma possível esse momento?”
6º) Significado: “Agora que já descobri o que me acalma e ajuda a viver esta fase, vou começar a gravar vídeos para ajudar as demais pessoas, ensinando para elas aquilo que sei de melhor.”
Quando chegamos à etapa da Aceitação podemos pensar em estratégias de sobrevivência física, mental e emocional à pandemia e ao confinamento, tais como criar uma nova rotina dentro de casa, reduzir o tempo de exposição às notícias, incluir atividades de autocuidado, de lazer e prazer, e manter contato virtual com amigos e familiares.
Vale enfatizar a importância das atividades físicas, da arte, trabalhos manuais e recursos terapêuticos, que ajudam a aumentar a produção de endorfinas e serotoninas trazendo sensação de relaxamento e bem estar. Respiração consciente, meditações guiadas, mindfulness, ho’oponopono, imaginação ativa, massagem e mandalas terapêuticas são técnicas que cumprem o papel de desacelerar o fluxo de pensamentos, trazer a consciência para o presente e evitar antecipações dos piores cenários futuros imaginados.
E, se precisar de apoio, saiba que pode contar com a psicoterapia online.
No estágio do Significado transformamos o sofrimento em novos sentidos, motivações e até projetos. Um bom exemplo tem sido as Lives por Instagram através das quais muitos tem compartilhado seus dons e saberes para alegrar, entreter, ensinar e ajudar os demais. São shows de música ao vivo direto da casa dos artistas, contações de história, aulas de yoga, treinamento funcional, aulas de culinária, doação de reiki e terapia sonora, entre tantos outros, que aquecem o coração.
Que possamos, assim, vivenciar os sentimentos, nos permitindo ser conduzidos através deles na busca por novos significados.
*Clodine Teixeira é psicóloga clínica graduada, mestre e doutora pela USP. Especialista em luto e psicologia transpessoal.